quarta-feira, outubro 19, 2011

A CANÇÃO DAS LÁGRIMAS DE PIERROT

I

A sala em espelhos brilha

Com lustres de dez mil velas.
Miríades de rodelas
Multicores - maravilha! -

Torvelhinham no ar que alaga

O cloretilo e se toma
Daquele mesclado aroma
De carnes e de bisnaga.

E rodam mais que confete,

Em farândolas quebradas,
cabeças desassisadas
Por Colombina ou Pierrete


II


Pierrot entra em salto súbito.

Upa! Que força o levanta?
E enquanto a turba se espanta,
Ei-lo se roja em decúbito.

A tez, antes melancólica,

Brilha. A cara careteia.
Canta. Toca. E com tal veia,
com tanta paixão diabólica,

Tanta, que se lhe ensangüentam

Os dedos. Fibra por fibra,
Toda a sua essência vibra
Nas cordas que se arrebentam.


III


Seu alaúde de plátano

Milagre é que não se quebre.
E a sua fronte arde em febre,
Ai dele! e os cuidados matam-no.

Ai dele! e essa alegria,

Aquelas canções, aquele
Surto não é mais, ai dele!
Do que uma imensa ironia.

Fazendo à cantiga louca

Dolorido contracanto,
Por dentro borbulha o pranto
Como outra voz de outra boca:


IV


- "Negaste a pele macia

À minha linda paixão
E irás entregá-la um dia
Aos feios vermes do chão...

"Fiz por ver se te podia

Amolecer - e não pude!
Em vão pela noite fria
Devasto o meu alaúde...

"Minha paz, minha alegria,

Minha coragem, roubaste-mas...
E hoje a minh'alma sombria
É como um poço de lástimas..."


V


Corre após a amada esquiva.

Procura o precário ensejo
De matar o seu desejo
Numa carícia furtiva.

E encontrando-o Colombina,

Se lhe dá, lesta, . socapa,
Em vez de beijo um tapa,
O pobre rosto ilumina-se-lhe!

Ele que estava de rastros,

Pula, e tão alto se eleva,
Como se fosse na treva
Romper a esfera dos astros!...

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