quarta-feira, maio 29, 2013

A Ilha de Cipango



Estou sozinho! A estrada se desdobra
Como uma imensa e rutilante cobra
De epiderme finíssima de areia...
E por essa finíssima epiderme
Eis-me passeando como um grande verme
Que, ao sol, em plena podridão, passeia!

A agonia do sol vai ter começo!
Caio de joelhos, trêmulo... Ofereço
Preces a Deus de amor e de respeito
E o Ocaso que nas águas se retrata
Nitidamente reproduz, exata,
A saudade interior que há no meu peito...

Tenho alucinações de toda a sorte...
Impressionando sem cessar com a Morte
E sentindo o que um lázaro não sente,
Em negras nuanças lúgubres e aziagas
Vejo terribilíssimas adagas,
Atravessando os ares bruscamente.

Os olhos volvo para o céu divino
E observo-me pigmeu e pequenino
Através de minúsculos espelhos.
Assim, que diante duma cordilheira,
Pára, entre assombros, pela vez primeira,
Sente vontade de cair de joelhos!

Soa o rumor fatídico dos ventos,
Anunciando desmoronamentos
De mil lajedos sobre mil lajedos...
E ao longe soa trágicos fracassos
De heróis, partindo e fraturando os braços
Nas pontas escarpadas dos rochedos!

Mas de repente, num enleio doce,
Qual se num sonho arrebatado fosse,
Na ilha encantada de Cipango tombo,
Da qual, no meio, em luz perpétua, brilha
A árvore da perpétua maravilha
A cuja sombra descansou Colombo!

Foi nessa ilha encantada de Cipango,
Verde, afetando a forma de um losango,
Rica, ostentando amplo floral risonho,
Que Toscanelli viu seu sonho extinto
E como sucedeu a Afonso Quinto
Foi sobre essa ilha que extinguiu meu sonho!

Lembro-me bem. Nesse maldito dia
O gênio singular da Fantasia
Convidou-me a sorrir para um passeio...
Iríamos a um país de eternas pazes
Onde em cada deserto há mil oásis
E em cada rocha um cristalino veio.

Gozei numa hora séculos de afagos,
Banhei-me na água de risonhos lagos,
E finalmente me cobri de flores...
Mas veio o vento que a Desgraça espalha
E cobriu-me com o pano da mortalha,
Que estou cosendo para os meus amores!

Desde então para cá fiquei sombrio!
Um penetrante e corrosivo frio
Anestesiou-me a sensibilidade
E a grandes golpes arrancou as raízes
Que prendiam meus dias infelizes
A um sonho antigo de felicidade!

Invoco os Deuses salvadores do erro.
A tarde morre. Passa o seu enterro!...
A Luz descreve ziguezagues tortos
Enviando à terra os derradeiros beijos.
Pela estrada feral dois realejos
Estão chorando meus amores mortos!

E a treva ocupa toda a estrada longa...
O Firmamento é uma caverna oblonga
Em cujo fundo a Via-láctea existe.
E como agora a lua cheia brilha!
Ilha maldita vinte vezes a ilha
Que para todo o sempre me fez triste!

Pau d’Arco – 1904.

segunda-feira, maio 27, 2013

10 Minutos (Dimmi perohé)

Por que você não atende as minhas ligações?
Sei que você tem lá suas razões
Olho milhões de vezes sua foto
Me pergunto em que ponto perdemos o foco
Por que você não atende, se vê que sou eu?
Será que é teu jeito de dizer adeus?
Rodo mil estórias na minha cabeça
Daqui a 10 minutos talvez eu enlouqueça
Fora!
Seu silêncio me devora
Algo diz pra eu ir embora
Não entendo os seus sinais
Mas fica com você
A desculpa para inventar
Quando resolver ligar
Posso não te querer mais
Olho pra pessoa em que você me transformou
E depois não quis mais, abandonou
Vejo que a vida me prestou esse favor
Me fez sempre pronta pra viver um novo amor
Um novo amor

sexta-feira, maio 24, 2013

A esperança



A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito
Sirva-te a Crença de fanal bendito,
Salva-te a glória no futuro – avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da Morte a me bradar: descansa!


terça-feira, maio 21, 2013

de Mozart a Nannerl



Caríssima irmã,



Há muito não lhe escrevo, pois andava ocupado com minha ópera, mas como agora tenho tempo, estarei mais atento a esse meu dever. A ópera, Deus seja louvado, é um sucesso, pois todas as noites o teatro está cheio, para o grande espanto de todos, pois várias pessoas dizem que, desde que estou em Milão, nunca viram tamanhas multidões em uma primeira ópera. Papai e eu, graças a Deus, estamos bem, e espero que na Páscoa já possa contar tudo pessoalmente a você e a mamãe. Addio. Beijo a mão de mamãe. A propósito! Ontem a copista nos chamou e disse ter recebido ordens de transcrever minha ópera para a corte de Lisboa. Enquanto isso, adeus, minha querida mademoiselle irmã. Tenho a honra de ser, e continuar sendo por toda eternidade,



seu fiel irmão.

(ano 1770) 





Fragmento: As vidas Ilustradas dos Grandes Compositores

segunda-feira, maio 13, 2013

A carta de Mozart ao Abbé Bullinger sobre a morte da mãe, 3 de julho de 1778.


Meu mais querido amigo!

Só para você.

Lamente-se comigo, meu amigo! Este foi o dia mais triste de minha vida — escrevo esta às duas horas da manhã. Preciso dizer-lhe que minha mãe, minha querida mãe, faleceu! Deus a chamou para Si. Era sua vontade leva-la, isso pude ver claramente — por isso resignei-me à Sua vontade. Ele a deu para mim, por isso Ele tinha o direito de tirá-la de mim. Pense, porém, em toda a minha ansiedade, nos temores e tristezas que tive de suportar nos últimos quinze dias. Ela estava praticamente inconsciente no momento de sua morte — sua vida apagou-se como a chama de uma vela. Três dias antes de morrer ela se confessou, recebeu o Sacramento e a extrema-unção. Durante os últimos três dias, no entanto, delirou constantemente e hoje, às cinco horas e vinte e um minutos, a agonia da morte começou e ela perdeu todas as sensações e a consciência. Apertei-lhe a mão e falei com ela — mas ela não me viu, não me ouviu, todos os seus sentidos haviam desaparecido. Ela ficou assim até ter expirado, cinco horas depois, às dez horas e vinte e um minutos. Só estávamos presentes eu, Herr Haina (um gentil amigo que meu pai conhece) e a enfermeira. É impossível para mim descrever hoje todo o decorrer de sua doença, mas estou firmemente convencido de que ela estava predestinada a morrer e que Deus assim o havia ordenado. Tudo que lhe peço neste momento é que represente o papel de um verdadeiro amigo, preparando meu pobre pai com muito cuidado para esta triste notícia. Escrevi uma carta para ele, por este mesmo correio, mas só para dizer que ela está seriamente doente; e agora só para dizer que ela está seriamente doente; e agora vou esperar que ele me responda, e guiar-me por essa resposta. Que Deus dê a ele força e coragem! Oh, meu amigo! Não me sinto consolado só agora, como há algum tempo venho tendo consolo. Com a misericórdia de Deus suportei tudo com firmeza e compostura. Quando a doença dela se tornou perigosa, supliquei a Deus apenas duas coisas — uma morte feliz para ela, e força e coragem para mim mesmo; e Deus, em Sua bondade, ouviu minha prece e me concedeu essas duas bênçãos com máxima prodigalidade. Suplico-lhe, portanto, meu mais querido amigo, que cuide de meu pai por mim e tente dar-lhe coragem, de forma que, quando ele souber do pior, não receba o golpe com muita dureza. Recomendo-lhe também minha irmã, de todo o meu coração. Vá procurá-los imediatamente, eu lhe imploro — mas não lhes conte que ela já morreu — apenas prepare-os para isso. Faça o que achar melhor — use todos os meios possíveis para consolá-los — mas aja de forma a tirar-me esse peso da cabeça — e que eu não precise temer um novo golpe. Cuide de meu querido pai e minha querida irmã para mim. Responda-me imediatamente, eu lhe imploro. Adieu, Seu criado mais obediente e grato.

Wolfgang Amadè Mozart


A mãe de Mozart, Anna-Maria.
Retrato de artista descohecido, c. 1775 (Mozarteum de Salzburgo)



Fragmento: As vidas Ilustradas dos Grandes Compositores